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A cultura: da transnaturalização à luta de classes


Conceitos e visões em José Luiz dos Santos e Bolívar Echeverría


Sumário

"O que é cultura" de José Luiz dos Santos e "Definição do cultura" de Bolívar Echeverría discutem conceitos e pontos de vista sobre o conceito de cultura, suas formas materiais e simbólicas. No entanto, o que mais me chamou a atenção nestas duas propostas é a relação da cultura com as idéias de transnaturalização, nação, luta social e humanismo. Além disso, as idéias de alta e baixa cultura, desenvolvidas por esses intelectuais, me parecem importantes quando se fala de cultura. Nas páginas seguintes, procuro apresentar como dos Santos e Echeverría abordam estas idéias, identificando pontos de convergência e diferenças.

Palavras-chave: transnaturalização, luta social, humanismo, alta e baixa cultura.


Introdução

A questão de qual cultura tem sido pensada, discutida e redefinida por muitos ao longo da história moderna. A cultura está associada a vários elementos, tais como: as manifestações de pensamento e sentimento; o resultado do processo de transnaturalização ou a ruptura do humano com o animal e a dominação da natureza; as manifestações materiais e simbólicas do humano; os processos de criação e consumo; as recodificações em sua forma moderna e capitalista; a divisão de classes; o uso como meio de dominação e também como território de resistência.

As páginas seguintes são uma tentativa de apresentar de forma dialógica as discussões sobre estas questões de acordo com os trabalhos do antropólogo brasileiro José Luiz dos Santos e seu "O que é cultura", e do filósofo Bolívar Echeverría e sua "Definição de cultura". Como este é um assunto longo, com apenas algumas páginas para escrever, abordarei brevemente a definição de cultura em sua dimensão social e histórica, assim como sua relação com a criação da identidade nacional e seu uso na modernidade capitalista. Finalmente, apresento as posições adotadas por dos Santos e Echeverría sobre a divisão da cultura em seus binômios: erudito ou alto e popular ou baixo.


Cultura. Dimensão social e existência moderna

O antropólogo José Luiz dos Santos começa seu trabalho "O que é cultura?" afirmando que a cultura é fundamentalmente uma "dimensão do processo social, da vida de uma sociedade" (dos Santos 2017, 44). Para ele, cultura refere-se a todos os aspectos da vida social em todos os contextos, sendo uma construção histórica, como um conceito e dimensão do processo social, constituindo a cultura um produto coletivo da vida humana (dos Santos, 2017). Quanto às discussões sobre a própria cultura, por um lado, o autor afirma que existem duas concepções básicas; a primeira, e a mais utilizada, considera a cultura como uma realidade social que se refere a tudo o que caracteriza a existência social de um povo ou nação. A cultura aqui se refere às formas de conceber e organizar a vida social e seus aspectos materiais (dos Santos 2017, 23). Uma segunda definição se refere aos conhecimentos, idéias e crenças e formas que existem na vida social. A cultura é assim entendida como uma esfera, um domínio da vida social (dos Santos 2017, 24). Por outro lado, dos Santos agrega que há duas questões básicas na definição de cultura: as discussões sobre a evolução em termos da distinção entre formas humanas e outras formas animais; e a dimensão dinâmica e criativa da cultura (dos Santos 2017). Quanto a este último, no trabalho "Definindo a cultura", Bolívar Echeverria (2010) identifica magistralmente três processos na reprodução social da cultura: produção, distribuição e consumo. Fases que tecem a rede das individualizações históricas do ser humano; o brasileiro, o mexicano, o ocidental, etc. O que dos Santos (2017, 29) chamou de "discussões de evolução", Echeverría (2010,118) enunciaria como "transnaturalização" da qual emerge a cultura, aquela que diferencia o humano do resto do universo natural e animal. Em outras palavras, as concreções históricas produzidas pelo humano, além de numerosas e em constante mudança, têm origem neste salto diferenciador em direção a um animal simbólico (Echeverría, 2010). A reprodução humana é expressa através de manifestações físicas, propostas filosóficas, representações sociais e imaginários, que são consumidos, interpretados, modificados e reintegrados em novos contextos históricos. Sobre este ponto, tanto dos Santos (2017) quanto Echeverría (2010) concordam que o devir da cultura nunca é conservação, nem estagnação, senão um processo constante de criação e transformação. A condição humana em sua dimensão cultural é construída, destruída e restaurada em um ciclo contínuo e infinito. Embora este processo atinja momentos de consolidação na vida cotidiana, ele assume uma multiplicidade de formas através do processo de construção e produção de bens materiais e simbólicos que tecem a forma concreta do projeto humanizante (Echeverría 2010). Para Echeverría, as mercadorias são distribuídas e consumidas a fim de reproduzir uma cosmovisão do fato humano e sua própria cosmovisão. Enquanto, Dos Santos, destaca o papel fundamental que a dimensão cultural tem ocupado para as sociedades contemporâneas. A cultura surge como um território de lutas sociais, sendo uma realidade e um conceito que precisa ser apropriado em favor do progresso social e da liberdade, enfrentando a exploração de uma parte da sociedade por outra, e aspirando a superar a opressão e a desigualdade (dos Santos 2017). Para complementar a proposta Dos Santos, é útil rever as bases sobre as quais Echeverría desenvolve sua noção de cultura, oferecendo algumas ferramentas-chave para pensar o humano ao longo da história moderna, da qual emerge a faceta capitalista da cultura. Echeverría baseia sua definição na mistura de abordagens estruturalistas e existencialistas acerca da cultura como uma dimensão da criação humana, que transcende a realidade natural e opera de acordo com sua própria lógica. O estruturalismo permite compreender estas realidades transcendentais individuais e concretas, e o existencialismo revela os atos de livre criação que são a base das estruturas. Agora, se a cultura acolhe e expressa as diferentes lutas ou resistências sociais, como propõe dos Santos, estas seriam a causa natural do processo de existência "em ruptura", ou seja, o constante estado de criação e reprodução do humano, que "ocorre como uma irrupção de comportamentos extraordinários dentro dos comportamentos cotidianos" (Echeverría 2010, 167), cuja essência muda ao longo dos processos históricos nos quais as estruturas são reinterpretadas, dando origem a desigualdades sociais (Echeverría 2010).

Antes de continuar com a análise da cultura em sua fase moderna e capitalista, é necessário retornar à conhecida definição de cultura mencionada por dos Santos associada ao "conhecimento, idéias e crenças de um povo ou nação" (dos Santos 2017). Sobre o tópico de "Cultura e nação" (2017, 32) Dos Santos atribui basicamente estas características a projetos hegemônicos da Europa Ocidental, tais como os da França, Inglaterra e Alemanha. Exemplos que mais tarde "inspirariam" a formação de estados-nação nos territórios americanos; "nestes casos, toda a realidade de cada país foi pensada em referência à cultura dominante no Ocidente, sendo a cultura ali compreendida tanto em seu aspecto material quanto em formas de conhecimento e conceitos sobre a vida e a sociedade" (dos Santos 2017, 33). Embora o contexto histórico apresentado por dos Santos tenha sido compartilhado por outros estudiosos da cultura, incluindo o próprio Echeverría, este último aprofunda como os processos de identidade são desmantelados e reconstruídos através destes projetos nacionais, identificando uma "crise de identidade". Uma crise que afetaria diretamente a realização da vida humana, "persistindo através das tentativas dos estados modernos de resolvê-la através da construção de uma identidade nacional, que ressurgiu com força desde o final do século XX" (Echeverría 2010, 217). Daí o surgimento de um individualismo moderno que é complementado por um nacionalismo identitário, filho da modernidade capitalista, apoiando-se na vontade sustentada do nacionalismo, "entre ingênuo e coercitivo: o de fazer, a partir dos restos de comunidades arcaicas, da nação natural, já negada e desconhecida, um conjunto de marcas singularizadas, capazes de nomear ou distinguir indivíduos abstratos como compatriotas ou nacionais" (Echeverría 2017, 231).

Em síntese, a cultura está situada em diferentes esferas e momentos, sendo uma dimensão social; um processo de transnaturalização; uma construção histórica; um processo humanizador e civilizador; um território de lutas e resistências; uma identidade nacional. Entre eles e derivados destes processos, Echeverría nos oferece uma reflexão final, que repensa o humanismo de Heidegger, e que poderia complementar a tese Dos Santos sobre a cultura como território de luta: “antropopolítica” (Echeverría 2010, 226). Este seria o efeito quando o humanismo se torna antropocêntrico em sua expressão mais extrema, colocando o humano como a "medida de todas as coisas", fingindo subordinar a realidade da Natureza à sua própria. O humanismo, ou desencanto, funciona como "a prova irrefutável de que a transnaturalização que separa o homem do animal é na verdade um pacto entre a comunidade sacrificadora e a Outro à qual ela ganha acesso" (Echeverría 2010, 226). Da estreita relação entre cultura e construção histórica emerge a historicidade como uma característica essencial da atividade social. Como explica Echeverría, dois processos contribuem para a transformação histórica; "a inovação ou substituição do velho pelo novo e o processo de renovação ou restauração do velho como novo" (Echeverría 2010, 228). O projeto civilizador ou humanizador em sua versão moderna supera o presente, dada a pressa do fluxo temporal, onde o consumismo tenta aprisionar o presente, ameaçando passar sem ter chegado.O humanismo moderno ou individualismo surge como o "self-made man" (Echeverría 2010, 233), exaltando o homem, fazendo com que a abertura do mundo para a vida termine com um fechamento futurista do tempo, estreitando o plano urbano e levando à libertação individual no desmembramento do tecido social, da comunidade e da reciprocidade, mas coberto por um véu de cultura comunitária ou nacional. A alienação acaba transformando o projeto humanizador em "relações sociais desumanizadas e fazendo da Heimatlosigkeit (desarraigamento) uma experiência fundamental da condição humana na modernidade atual" (Echeverría 2010, 233).


Cultura erudita e cultura popular

Um elemento recorrente entre as definições de cultura tem sido a tendência de classificar suas manifestações entre os opostos da cultura popular e da alta cultura. Por um lado, dos Santos associa tal separação principalmente à idéia de "refinamento pessoal, transformando e moldando a descrição das formas dominantes de conhecimento nos estados-nação europeus emergentes no crepúsculo da Idade Média" (dos Santos 2017, 54). A preocupação pela cultura teria se tornado a preservação exclusiva do conhecimento "acadêmico", ao contrário do conhecimento da grande maioria, que era considerado inferior, atrasado, ao que conhecemos hoje como cultura popular (dos Santos 2017). Para o autor, "preocupações com a cultura popular são tentativas de classificar os modos de pensar e atitudes das populações mais pobres de uma sociedade, buscando o que é específico sobre elas, tentando entender sua lógica interna, sua dinâmica e, sobretudo, as implicações políticas que podem ter" (dos Santos 2017, 54). A cultura popular atualmente, enfatiza dos Santos, é pensada em relação à alta cultura, sendo esta última o eixo da legitimidade expressa pela filosofia, ciência e conhecimento produzido e controlado por instituições nacionais; universidades, academia, ordens profissionais, entre outras, que por sua vez estão nas mãos das classes dirigentes. Portanto, cultura popular é entendida como "as manifestações culturais dessas classes, manifestações que são diferentes da cultura dominante, que estão fora de suas instituições, que existem independentemente delas, apesar de serem suas contemporâneas" (dos Santos 2017, 55).

Por outro lado, para Echeverría, a chamada cultura popular ou espontânea está associada "como um fato espontâneo, não elaborado, em estado primitivo, enquanto a alta cultura ou elite ou cultura culta é identificada como um fato refinado, tecnificado, que conhece e respeita uma tradição" (Echeverría 2010, p.168). Para ambos os autores, a divisão da cultura responde a uma experiência histórica real, que confunde a necessidade de emancipação da atividade cultural com a de seu isolamento, tornando-se autônoma na esfera da vida das classes dominantes. Echeverría (2010, 168) atribui ao uso ilimitado de práticas autônomas do funcionamento pragmático do processo de produção-consumo exigido pela alta tecnologia, uma negação da onipresença da atividade cultural, minimizando suas manifestações e restringindo-as como alta cultura. Uma vez que a atividade cultural se torna parte da vida cotidiana, surge a diferenciação de uma "atividade cultural que deve ser realizada de forma especial e que abre seu próprio palco em meio a esta mesma vida. Assim aparece, inerente à vida social, a distinção entre cultura como atividade difusa e cultura como atividade concentrada" (Echeverría 2010, 169).

De uma perspectiva de classe, haveria uma relação de dominação, na qual a elite cultural desenvolveria o conceito de cultura popular, selecionando e eliminando quais manifestações constituiriam essa cultura popular. A tese de Santos (2017) aponta que tanto a cultura erudita quanto a popular se desenvolvem a partir da polarização entre elas, transferindo para a dimensão cultural a oposição entre os interesses das classes sociais na vida da sociedade. O que é interessante nesta proposta é a relação entre classe e cultura, na qual "as classes dominadas denunciam as desigualdades sociais e a necessidade de superá-las, sua cultura pode ser vista como tendo um conteúdo transformador" (dos Santos 2017, 56). Para dos Santos existe uma relação colonial, que se materializa através da expansão da cultura acadêmica, ampliando seus domínios, como as redes escolares e de saúde, e outras formas de controle social que mantêm as desigualdades básicas da sociedade em benefício da minoria da população. O antropólogo utiliza o caso brasileiro para o estudo das manifestações culturais, afirmando que "é muito difícil em uma sociedade como o Brasil estudar manifestações culturais que não estão relacionadas às instituições poderosas dominantes e suas concepções. Isto é válido para a medicina, para a religião, para a literatura, para a música. Esta observação pode nos levar a buscar o mais popular dos populares, para tentar localizar a mais pura expressão de cultura, um popular intocado e definitivamente original, que contém o caráter revolucionário do conhecimento popular em seu estado absoluto" (Dos Santos 2017, 58). De acordo com isto, as relações de classe estão sem dúvida no cerne da definição de cultura; onde a oposição entre a cultura acadêmica e a popular seria um produto destas relações. Desta oposição permanente, o conteúdo do que pode ser considerado erudito ou popular estaria sempre mudando.

Ao contrário de Santos, Echeverría prefere voltar à origem do cultivo da cultura, propondo uma segunda leitura da divisão entre alta e baixa cultura. Para ele, é nas sociedades onde "surgem ocasiões, lugares e pessoas que se dedicam de forma especial, mas não exclusiva ou monopolista, ao cultivo crítico do sub-código" (Echeverría 2010, 169). O autor relê a divisão erudito-popular, enfatizando a transversalidade e a horizontalidade do fato, despojando-o de alto ou baixo, designando que o "alto" só pode ser atribuído àqueles que reconhecem a possibilidade de aproveitar-se de uma dedicação excepcionalmente superior a um comportamento perturbador. Neste sentido, Echeverría (2010, 169) remove a carga "pejorativa" da idéia de cultura baixa, associando-a à genuína, vital, criativa em oposição à falsa, monótona ou entediante cultura alta ou elitista mandatada pelas classes dominantes. Entretanto, Echeverría reconhece que o fator classe imerso na cultura responde à lógica do materialismo histórico e da luta de classes, enfatizando que quando o povo se identifica com a classe trabalhadora revolucionária, é-lhe atribuída uma cultura proletária, reconhecendo um caráter crítico, espontâneo e historicamente construtivo, que difere abismalmente da imitação da cultura burguesa (Echeverría 2010). Em termos históricos, a "distinção espontânea é superdeterminada em termos da hierarquia do corpo social, através da divisão e convivência das classes sociais organizadas pela distribuição desigual do poder sobre o acesso à riqueza objetiva da comunidade, onde se oficializa a implementação da cultura autônoma e da cultura geral, gerando uma relação de separação onde a primeira subordina a segunda, ignorando-a, que a segunda ignora, transformando-a em objeto de desprezo" (Echeverría 2010, 170). Os diálogos sobre a coexistência de alta e baixa cultura levantam questões sobre o que ou como eles dependem um do outro. Por um lado, dos Santos sublinha que a polarização leva a confusões que nos convidam a considerar a cultura nos processos sociais comuns desta sociedade e em tantas contradições e conflitos de interesses. As classes dominadas existem em relação às classes dominantes, elas compartilham um processo social comum, que não controlam. Consequentemente, "toda produção cultural é o resultado desta existência comum, é um produto desta história coletiva, mesmo que seus benefícios e controle sejam desigualmente distribuídos". Esta é de fato a essência da questão da cultura em nossa sociedade, desfazendo assim a frágil idéia de que uma parte tão fundamental da sociedade pode ser vista como uma realidade culturalmente isolada" (dos Santos 2017, 59). Por outro lado, Echeverría argumenta que a alta cultura precisa de cultura baixa na medida em que não pode ser outra coisa senão uma sublimação desta última: "a alta cultura não poderia ocorrer sem a criatividade que é produzida espontaneamente no cultivo crítico diário do subcódigo, sem a inventividade que aparece incessantemente distribuída pelo corpo social" (Echeverría 2010, 171). A partir desta relação, novas formas, inovações, reforços e reformulações emergem ao longo do processo de concretização da subcodificação do código. Com algumas variações no desenvolvimento de suas apostas, parece que dos Santos e Echeverría concordam que sem uma cultura baixa não haveria uma cultura alta. No entanto, dos Santos continua endividado com a abordagem inversa: a cultura baixa pode passar sem cultura alta? Echeverría conclui sua "Definição de cultura" com esta mesma pergunta, deixando-nos com uma breve idéia esperando para ser explorada "...a resposta não poderia deixar de reconhecer que a autonomização da atividade cultural é um momento essencial dessa mesma atividade, e que nessa medida ela é indispensável para ela. Entretanto, ambos são modos inseparáveis da mesma atividade. As idas e vindas, o diálogo muitas vezes surdo e mal compreendido entre o que vem da criatividade da baixa cultura e o que vem da inventividade da alta cultura mostram uma cumplicidade ou colaboração entre eles que ocorre nas margens, acima ou abaixo, daquele julgamento de funções hierárquicas que a realidade da luta de classes projeta sobre eles” (Echeverría 2010, 171).

Conclusão

De acordo com o que foi exposto neste trabalho, duas idéias predominantes sobre o que é cultura podem ser identificadas; por um lado, a cultura é entendida como a forma de conceber e organizar a vida social e seus aspectos materiais, fazendo parte do processo histórico, encontrando sua gênese na transnaturalização ou ruptura do ser humano com o resto do universo animal e alcançando o domínio sobre o que é concebido como Natureza. Este processo é caracterizado pela produção e consumo dinâmicos das manifestações humanas. Por outro lado, a definição de cultura está associada a um conjunto de conhecimentos, idéias e crenças de um povo ou nação. Esta última responderia às concepções modernas que localizam sua gênese nas nações européias hegemônicas, como a francesa e a inglesa, e que servirão de modelo para a construção de identidades culturais nacionais nos territórios que transitaram do domínio colonial para a conformação de estados-nação, como é o caso do continente americano. Embora os dois autores aqui discutidos, José Luiz dos Santos e Bolívar Echeverría, abordem o tema da cultura de perspectivas similares, é possível identificar diferenças em suas abordagens. Por um lado, dos Santos defende a emergência da cultura moderna como um terreno de lutas sociais; enquanto Echeverría a situa em relação ao materialismo histórico e à aceleração do capitalismo, com a emergência de uma produção e consumo que é esmagadora e injusta em sua distribuição.

Considerando as definições de cultura e seus processos, pensadores como dos Santos e Echeverría buscam respostas para as relações sociais modernas, das quais emergem novas e mutáveis classificações de cultura, tais como a chamada "cultura erudita ou alta cultura" ou "cultura popular ou espontânea". Como vimos, o fator classe, assim como os elementos derivados dos processos coloniais, situam a alta cultura como aquela erguida pelas classes dominantes, que por sua vez exercem controle sobre a maioria da qual emerge a "cultura popular". Enquanto as opiniões dos estudiosos aqui apresentados concordam que há uma dominação de um sobre o outro, coincidindo com a luta de classes, Echeverría nos traz novas formas de ver a realocação do alto ou refinado e do popular ou espontâneo na cultura, com o objetivo de situar os dois como complementares e não irreconciliáveis. Finalmente, o espaço social no qual ocorre a práxis humana é caracterizado por tendências antropocêntricas de culturalização e naturalização, ignorando as relações entre cultura e sociedade, assim como entre natureza e sociedade, um cenário que certamente permite que a cultura surja como um espaço de opressão e resistência ao mesmo tempo.


Bibliografía

Echeverría, Bolívar. 2010. Definição de cultura. DF: Fondo de Cultura Económica.

Dos Santos, José Luiz. 2017. O que é cultura. São Paulo: Editora Brasiliense.


Imágenes

Fig. 1 Parra, Violeta: El Circo. Extraída de https://www.museovioletaparra.cl/obras/el-circo/








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